Alimentação: O nosso veneno quotidiano

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Foi publicado nos meses passados um documentário que nestas bandas passou despercebido e que tem como tema central o agro-negócio: é baseado no trabalho da pesquisadora francesa Marie-Monique Robin e no livro dela, Notre poison quotidien ("O nosso veneno quotidiano", ver notas finais).

Nada de novo, não fosse que Marie é uma das melhores jornalistas francesas, já muitas vezes premiada, e com bons conhecimentos na área (Le monde selon Monsanto, Les Moissons du futur).

Eis uma entrevista publicada nas páginas do argentino Ecoportal.
Eu falo do aumento incrível de cancros, doenças neuro-degenerativas, distúrbios reprodutivos, diabetes e obesidade, que são relatados nos países "desenvolvidos ", ao ponto de que a Organização Mundial da Saúde fala disso como duma epidemia.

Do que trata quando fala do "nosso veneno de cada dia"?

Dos produtos químicos que se encontram todos os dias nos alimentos, quer sob a forma de pesticidas, aditivos alimentares ou de plástico usado para a alimentação. Estas moléculas químicas estão presentes em doses muito baixas. O que mostro com as minhas pesquisas, e que ninguém negou até agora, é que essas doses muito baixas de resíduos, que supostamente não têm efeitos, no entanto têm efeitos adversos na saúde humana.

O uso destes produtos nos alimentos é permitido?

Sem dúvida. A avaliação dos produtos químicos praticada pela Autoridade Europeia da Segurança Alimentar ou pela FDA nos Estados Unidos, é baseada no princípio de Paracelso, segundo o qual é a quantidade que torna um veneno como tal. A assim chamada "dose diária aceitável" (ADI) baseia-se nisso. O que provamos é que esse princípio não é válido para muitas moléculas, não presta.
Porquê?

Porque esse tipo de Bíblia é baseada em nada. Não há nenhum estudo sério na base. Todos acreditavam que a ADI fosse seguro, mas ninguém alguma vez perguntou donde veio. Este é o cerne da minha pesquisa. A ADI foi fabricado numa mesa de cinco pessoas nos anos 60. Eles o fizeram isso de boa-fé, porque estavam a perguntar-se o que poderiam fazer para moderar o efeito das moléculas químicas, conhecidas por ser altamente tóxicas. Mas nunca propuseram a proibição desses venenos na nossa alimentação. Pensavam que, em nome do "progresso" ou do "desenvolvimento", devemos assumir esses riscos, que não poderia ser de outra forma.

Estas normas são aprovadas pelos órgãos governamentais?

Sim. Escondem-se atrás de uma regulação estatal, que parece ser muito independente, muito séria e muito científica, com uma grande quantidade de dados e muitas figuras, com toneladas de papel, mas quando você começar a estudá-lo, percebe que foi feito para que as autoridades públicas pudessem dizer "Estamos bem, estamos na norma". Mas se uma norma for séria, feita para realmente proteger as pessoas, então porque estão constante a muda-la? É adaptada aos interesses da indústria, em vez que a saúde da população.

Porque, em sua opinião, não houve resposta à sua pesquisa por parte da indústria química?

Por que são dados e porque eles sabem disso. A pesquisa tem causado um rebuliço logo após ter saído. Os fabricantes de químicos disseram "A Robin exagera um pouco". Mas nada mais. Definitivamente aproveitam cada oportunidade para dizer que este trabalho é um pouco demais, e as grandes empresas pagam pessoas que tentam desacreditar-me no meu blog.

No seu trabalho, afirma que a "revolução verde" dos anos 60 prometeu alimentar o mundo, mas na realidade nunca chegou perto do sucesso. Porquê?

O meu próximo documentário, que será lançado num mês [ver notas, ndt] e é intitulado Les Moissons du futur (A cultura do futuro), responde a esta pergunta. O discurso é sempre o mesmo: "Se você proibir as toxinas agro-alimentares, não podemos alimentar o mundo, vamos morrer de fome". Este argumento é muito interessante, mas falso. A famosa "Revolução Verde" levou a um esgotamento dos recursos naturais e uma contaminação generalizada do meio ambiente, por causa do uso maciço de produtos químicos. Eu viajei por um ano em 11 Países. A conclusão que tiro é que agora há um bilhão de pessoas que não comem ou que têm problemas de fome por causa dos agrotóxicos. Não só por causa dos agro-tóxicos em si, mas por causa de todo o sistema de mercado ligado a este negócio.

Como é que isso afecta o mercado?

Este aspecto tem a ver com uma cadeia que estende-se globalmente. Na Argentina existem 18 milhões de hectares plantados com soja OGM, fumigados com agro-tóxicos, que estão a destruir os fazendeiros e os pequenos produtores que realmente fornecem comida para a população local. Na França, estamos a exterminar 3% da população de agricultores e das grandes empresas agrícolas. Tudo está conectado, de modo que aqueles que vendem as agro-toxinas são aqueles que controlam o mercado das sementes, como a Cargill e a Monsanto. Estas multinacionais estão a espalhar a fome.

Como é possível sair deste sistema?

Através de agro-ecologia, agricultura orgânica, baseada em pequenas unidades autónomas em termos de energia, nas quais são utilizadas os recursos naturais e varias plantas, porque a monocultura é uma catástrofe para o meio ambiente.

Mas agro-ecologia pode ser realizada em grandes explorações, ou numa escala nacional?

Claro, sem problema. O único obstáculo é a falta de vontade política. Na Europa estamos a lutar esta batalha. No próximo ano vamos ter uma mudança na famosa política agrícola da União Europeia. Estamos a pedir que os subsídios agora entregues aos agricultores ou grandes empresas que poluem o meio ambiente, sejam atribuídos aos agricultores que querem passar para a agro-ecologia. Em apenas quatro anos podemos mudar de rumo. É apenas uma questão de vontade política e, com a vontade, podemos colocar um fim a este criminoso modelo agro-alimentar global. A comida não é um produto qualquer, ninguém pode viver sem. Ninguém pode viver sem agricultores. Cada país deve proteger os seus agricultores. Sempre ouvimos dizer que os produtos químicos industriais são mais baratos do que os biológicos, mas isso não é verdade, porque a indústria química gera uma grande quantidade de custos indirectos.

A proibição dos agro-tóxicos seria uma forma de poupar dinheiro ou, inversamente, uma perda económica?

Marie-Monique Robin
A União Europeia publicou um estudo segundo o qual se os agro-tóxicos fossem proibidos, apenas levando em consideração o dinheiro gasto com o câncer dos camponeses e dos outros, poderíamos economizar 27 biliões de Euros por ano. E falamos apenas de câncer.

No seu livro afirma que o câncer é uma doença "nova", própria da civilização. Como é possível?

Queria saber isso, porque sempre é afirmado que o câncer está relacionado com os produtos químicos. Bem, primeiro eu queria ver se antes havia ou não câncer. Estudei muitos livros, muitos relatórios de pessoas que viajaram durante o século XIX, nos qual é afirmado que o câncer era quase inexistente. Os tumores apareceram pela primeira vez com a civilização industrial. É um facto. E é interessante ver como têm vindo a aumentar. Também é interessante ver como a indústria está organizada para afirmar o contrário.

Ao longo dos anos, a população tomou consciência de que muitas substâncias, tais como os cigarro ou o sal, são prejudiciais à saúde. Acha que a mesma coisa pode acontecer com os agro-tóxicos?


É muito diferente, porque esses produtos estão em toda a parte e nós nem sabemos. Uma pessoa que fuma sabe dos riscos e é uma decisão pessoal. Nos alimentos, no entanto, não se sabe quantos produtos químicos estão a ser ingeridos. Muitas mulheres não sabem, por exemplo, de que uma das principais causas do cancro da mama, embora não a única, são os desodorizantes. É por isso que eu digo que as mulheres não devem usar qualquer desodorizante, porque estes contêm desreguladores endócrinos que vão directamente para o peito. A população não sabe. Além disso, são utilizados produtos que não foram analisados antes. Devemos recuperar o conteúdo da nossa dieta diária, assumir o controle do que comemos, para que acabem de subministrar pequenas doses de vários venenos sem qualquer benefício.

Onde encontrar o livro da jornalista?
  • Portugal:
A pesquisa de Marie-Monique Robin não está disponível em Portugal como livro (pelo menos, fartei-me de procurar e nada).

Na livraria Bertrand é possível adquirir a versão original em francês pelo exorbitante preço de 29.54 € ou aquela em castelhano que custa menos (depois alguém poderia explicar-me com qual critério são estabelecidos os preços): 22.47 €.

Na Fnac nem está disponível, apenas há um livro anterior, Le monde selon Monsanto, sempre em edição original. O que não deixa de ser interessante, pois a Fnac é francesa.
  • Brasil:
A Fnac do Brasil nem conhece uma pessoa com o nome de Marie-Monique Robin.
Na livraria Saraiva há "O Mundo segundo a Monsanto", em bom português, por 51.30 Reais (e parece-me caro também).
  • Vídeo
Diferente é a questão do vídeo. O documentário foi transmitido pela RTP 2 às 5 da tarde, hora na qual como sabemos todos os portugueses estão na frente da televisão com vontade para ver uma reportagem acerca da comida.

Para boa sorte, no Youtube é presente uma versão luso-castelhana (35 minutos em espanhol, 77 em Português): O Nosso Veneno Quotidiano

E, sempre no Youtube, destaque para outro documentário: O veneno está na mesa, uma produção brasileira.
O quê? Demasiados preguiçosos para abrir os links do Youtube? Ok, ok...eis os dois vídeo.

O nosso veneno quotidiano
(1 h e 53 min.)
 
 
 
 
 
Ipse dixit.

Fonte: Ecoportal   

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